domingo, 18 de outubro de 2009

A IMPORTÂNCIA DA CONSTITUIÇÃO PARA O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Por Abimael Borges e Naira Ramos2


1. INTRODUÇÃO

Nesse trabalho analisamos a Democracia, a Constituição e o Estado, buscando compreender a inter relação entre esses conceitos e o resultado teórico e prático de sua aplicação na vida em sociedade.
A Democracia como forma de Estado é vista em seus aspectos fundamentais, baseada nos princípios do iluminismo que nortearam os mais modernos conceitos. A Constituição como documento fundamental na consolidação do Estado e da Democracia, que resguarda os direitos cidadãos e os interesses da nação. O Estado como resultada da sociedade organizada que incorpora valores e garantias sócias.
A Constituição é o documento pelo qual o Estado toma forma, passando a existir do ponto de vista jurídico e a garantir o cumprimento de suas funções na proteção dos bens e dos interesses da sociedade.
Passamos a refletir sobre essas questões.

2. A DEMOCRACIA

Democracia, na esfera política, é o poder que emana do povo em seu próprio benefício. Pode ser exercida de forma direta, onde as principais decisões são tomadas pelo povo em assembléia; indireta, também conhecida como “democracia representativa” onde o povo se governa por meio de representantes que tomam decisões em seu nome; semidireta, onde se garante ao povo o direito de intervir diretamente nas decisões tomadas pelo poder legislativo.
Democracia é o governo no qual o poder e a responsabilidade cívica são exercidos por todas as pessoas. Baseia-se nos princípios do governo da maioria associados aos direitos individuais e das minorias. Todas as democracias, embora respeitem a vontade da maioria, protegem escrupulosamente os direitos fundamentais dos indivíduos e das minorias. A principal função é proteger os direitos humanos fundamentais como a liberdade de expressão e de religião; o direito a proteção legal igual; o direito de escolha dos representantes; pluralidade partidária; e a oportunidade de organizar e participar plenamente na vida política, econômica e cultural da sociedade. As sociedades democráticas estão empenhadas nos valores da tolerância, da cooperação e do compromisso. As democracias reconhecem que chegar a um consenso requer compromisso e que isto nem sempre é realizável. Nas palavras de Mahatma Gandhi, “a intolerância é em si uma forma de violência e um obstáculo ao desenvolvimento do verdadeiro espírito democrático”.
É um processo de construção histórico-cultural. O homem leva tempo para desenvolver a capacidade de si governar, pois precisa saber julgar e escolher a melhor opção para o bem comum. A sociedade precisa amadurecer seu pensamento em relação à própria capacidade de mudar sua realidade e seu futuro, libertando-se pouco a pouco da servidão e do conformismo.
É condição indispensável para a consolidação da democracia, que os membros da sociedade considerem a importância da instrução, através da qual seja capaz de compreender a informação criticamente.
A existência da sociedade é o principal pressuposto da democracia. Por isso a democracia pressupõe uma luta constante por justiça social, sendo incompatível com a existência de classe dominante e dominados. Fundamenta-se na garantia de igualdade, liberdade e dignidade da pessoa. Além do ponto de vista social, o Prof. Manoel Gonçalves Ferreira Filho mostra que “o amadurecimento social não pode existir onde a economia somente forneça o indispensável para a sobrevivência...” (Filho, 2008, p. 104)
Da mesma forma em que o ser humano conquista novos espaços, movido por seus problemas, necessidades e desejos, consolidando direitos através dos tempos, a democracia também sofre esse processo de amadurecimento, adequando-se ao povo. A democracia contemporânea, portanto, não é a mesma compreendida e vivenciada pelos gregos em outras eras.
Segundo a doutrina do Prof. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, a democracia atende aos interesses de uma minoria conhecida por “elite democrática” que se sente mais preparada para atender às necessidades nacionais ou mais esclarecida sobre os processos histórico-culturais que permeiam a realidade popular e, imbuída do espírito democrático, defende o que consideram importante e indispensável quanto ao interesse popular, isto é, ao bem comum. Essa idéia de existência de uma “elite democrática” é contraditória com o conceito fundamental de democracia.

3. O ESTADO

A associação de um povo, radicado em um território, sob comando de um poder que não se sujeita a qualquer outro, de forma soberana, é chamada de Estado. Segundo Kelsen, o Estado e seus elementos só podem ser caracterizados juridicamente. O Brasil constitui um Estado Federal formado pela “união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal” (Art 1ª da CF).
Todo povo precisa de uma liderança capaz de assegurar seus valores e manter viva a sociedade e resguardada a soberania, é ai que surge o poder. Historicamente esse Poder era exercido pelo monarca, que com seu poder absoluto mantinha a todos sob seus caprichos e dava privilégios a minorias como o clero, a nobreza e as corporações. A luta de muitas gerações esteve pautada numa forma de limitar o poder do Estado, daí surge a concepção de Estado de Direitos, como veremos a seguir.

“Foi assim – da oposição histórica e secular, na Idade Moderna, entre a liberdade do indivíduo e o absolutismo do monarca – que nasceu a primeira noção do Estado de Direito, mediante um ciclo de evolução teórica e decantação conceitual, que se completa com a filosofia política de Kant.” (BONAVIDES, 1993, p. 41).

4. O ESTADO DE DIREITOS

A expressão Estado de Direito foi usada pela primeira vez por Robert von Mohl (Rechtsstaat), e era compreendida sob os seguintes aspectos:
a) primazia da lei, que regula toda a atividade do Estado;
b) sistema hierárquico de normas, que realiza a segurança jurídica que se concretiza numa categoria distinta de normas com diferentes graus de validade;
c) legalidade da Administração, com um sistema de recursos em favor dos interessados;
d) separação de Poderes como garantia da liberdade e freio de possíveis abusos;
e) reconhecimento de direitos e liberdades fundamentais, incorporados à ordem constitucional;
f) sistema de controle da constitucionalidade das leis, como garantia contra eventuais abusos do Poder Legislativo.
O Estado de Direitos limita o arbítrio político e reconhece o homem como o valor absoluto, dando estabilidade jurídica aos direitos e garantias individuais e submetendo a todos (governantes e governados) à lei. É no Estado de Direitos que os valores fundamentais da pessoa humana são reconhecidos em sua plenitude, pois a lei é o instrumento da justiça e da segurança que garante a defesa dos cidadãos contra os atos inescrupulosos de alguns administrados da máquina pública.
“A questão principal referente às relações entre o Estado e o Direito reside em justificar a submissão do Estado ao Direito, à justiça ou a um conjunto de normas, tendo em vista, sobretudo, a circunstância de que o Direito Positivo é elaborado pelo Estado, força e ordem de coação.” (Kildare, cap. 5, p. 101)
O Estado de Direitos está fundamentado em princípios de igualdade de direitos, nele todos os homens devem gozar igualmente de direitos e obrigações (deveres). Tal igualdade não está livre de limitações e regras de interpretação, pois é exigência do próprio conceito de Justiça, tratar os iguais com igualdade e os desiguais com desigualdade de acordo com suas particularidades. A lei é rígida e categórica quanto a desigualdade arbitrária ou discriminatória.
Outros princípios norteiam o Estado de Direitos, entre eles, o princípio da legalidade, que garante: ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei; do controle judiciário que garante: a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Esses princípios mantêm a fé da garantia, mesmo que abstratamente, do direito.
A sociedade, no entanto, quer além de garantias, a aplicabilidade dos direitos no plano concreto e o livra acesso aos instrumentos garantidores dessa aplicabilidade. Para que se tenha acesso à máquina Judiciária de forma ampla no sentido de atender as demandas populares, o Estado precisa ser democrático. Daí surge a necessidade de analisarmos o Estado Democrático de Direitos e é o que faremos a seguir.

5. O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITOS

Ao declarar que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito (art. 1°), a Constituição institucionaliza um tipo de Estado que tem fundamentos e objetivos concretos (arts. 1° e 3°).
O Estado Democrático, segundo observa Dalmo de Abreu Dallari, constrói-se em torno de três pontos fundamentais: a) supremacia da vontade popular; b) preservação da liberdade, c) igualdade de direitos.
Vinculado à idéia de democracia, tem na sua base o princípio da maioria, o princípio da igualdade e o princípio da liberdade. Entretanto, democracia é palavra que designa não apenas uma forma de governo, mas deve ser entendida também como regime político, forma de vida e processo.
Como processo de natureza dialética, a democracia "vai rompendo os contrários, as antíteses, para, a cada etapa da evolução, incorporar conteúdo novo, enriquecido de novos valores", afirma com convicção José Afonso da Silva, ao criticar a tese dos que sustentam o elitismo democrático, procurando identificar pressupostos para a democracia, como certo amadurecimento cultural, determinado nível de desenvolvimento econômico, educação do povo e tantos outros requisitos que acabam por transformar a democracia em algo somente acessível às elites.
Pablo Lucas Verdú entende por democracia "o regime político que institucionaliza a participação de todo o povo na organização e exercício do poder político, mediante a intercomunicação e o diálogo permanente entre governantes e governados, e o respeito dos direitos e liberdades fundamentais dentro de uma justa estrutura sócio-econômica".
Assim, o Estado Democrático, em decorrência da noção mesma de democracia como processo dinâmico, é que propiciará a realização dos objetivos presentes a Constituição.

6. A CONSTITUIÇÃO E O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITOS

Existe algo de controverso em tentar explicar como o Direito é utilizado pelo Estado de forma coercitiva para garantir segurança através de punições e restrições, e de como o mesmo Direito é a garantia fundamental de direitos individuais, coletivos e sociais. Faz-se mister identificar as formas que o Direito encontrou para mediar os conflitos sem utilizar a coerção de forma indiscriminada e irresponsável e garantir a liberdade de expressão, os direitos à honra e a imagem, a liberdade de crença religiosa, dentre outros pressupostos essenciais para a manutenção da vida em sociedade.
O “norte” deste conjunto de normas que regem a sociedade é a Constituição. Para José Celso de Melo Filho “Constituição é o nomen juris que se dá ao complexo de regras que dispões sobre a organização do Estado, a origem e o exercício do Poder, a discriminação das competências estatais e a proclamação das liberdades públicas”¹
Diversas definições para o conceito de Constituição são abordadas pelos pensadores do Direito, pois ela é a condição básica para a formação de um Estado, podemos então afirmar que a Constituição do Estado é a consolidação normativa de seus elementos essenciais: um sistema de normas jurídicas, escritas ou costumeiras, que regula a forma do Estado, a forma de seu governo, o modo de aquisição e o exercício do poder, o estabelecimento de seus órgãos, os limites de sua ação, os direitos fundamentais do homem e as respectivas garantias.
Como Lei Maior de um Estado a Constituição tem o poder de transformá-lo em um Estado Democrático de Direito.
Neste ponto cabe ressaltar as diferenças existentes entre o Estado Democrático de Direito e o simples Estado de Direito. Este último assegura a igualdade meramente formal entre os homens, e tem como características: A submissão de todos ao império da lei, a divisão formal do exercício das funções derivadas do poder, entre os órgãos executivos, legislativos e judiciários, como forma de evitar a concentração da força e combater o arbítrio, o estabelecimento formal de garantias individuais, o povo como origem formal de todo e qualquer poder, a igualdade de todos perante a lei, na medida em que estão submetidos às mesmas regras gerais, abstratas e impessoais, a igualdade meramente formal, sem atuação efetiva e interventiva do Poder Público, no sentido de impedir distorções sociais de ordem.
A nossa Constituição Federal promulgada em 1988 afirma em seu art. 1º que o Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito e no parágrafo único do citado artigo que “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
Esta visão do Estado garante não apenas a igualdade de todos perante a lei, mas a elevação dos Direitos Fundamentais, que deixaram de ser meramente subjetivos para alcançar a dimensão institucional. A nova Constituição elege como objetivos fundamentais da República a redução da desigualdade social, a luta contra a pobreza, a construção de uma sociedade mais justa, dentre outros. A Saúde e a Educação deixaram o patamar de “programas assistencialistas” e foram incorporadas aos Direitos Fundamentais dos cidadãos. O bem-estar social é um objetivo que norteia toda a Constituição Federal de 1988 e traça as características do Estado que espera promover para os que a ela se submetem.
Alem de elevar os Direitos Fundamentais a Carta Magna dita os fundamentos do Estado brasileiro, elencados a seguir:
• a soberania;
• a cidadania;
• a dignidade da pessoa humana;
• os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
• o pluralismo político;

Tais fundamentos são as bases de sustentação do Estado Democrático brasileiro, e demonstram a sintonia da Lei Maior com o avanço dos Direitos Humanos ocorridos no pós-guerra de 1945, quando a Declaração Universal dos Direitos do Homem entrelaça a idéia de cidadania e a dignidade da pessoa humana aos afirmar que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direito”.
Ainda mirando a Constituição sob o prisma da conquista e afirmação dos Direitos Fundamentais para a concretização da democracia, observa-se que a lei não deve ficar numa esfera puramente normativa, não pode ser apenas lei de arbitragem, posto que precisa intervir na realidade social, a fim de que sob a égide da cidadania democrática e na vigência plena das garantias, das liberdades e dos direitos individuais e sociais, estabeleça o bem comum.

7. CONCLUSÃO CRÍTICA

Mesmo sendo o Brasil um Estado Democrático de Direitos, conforme reza a Constituição, a aplicabilidade do direito, bem como o acesso aos órgãos aplicadores do direito, são ainda para muitos brasileiros, uma utopia. Vimos que sem uma Constituição não existe o Estado, que sem igualdade de direitos o Estado se torna absolutista e que sem um Estado Democrático de Direitos os cidadãos não têm segurança de liberdade e igualdade. Embora todos os conceitos se apliquem ao Brasil, de modo que no papel temos um pais ideal, vivemos ainda um sonho de Democracia e um Estado em processo de construção da respeitabilidade dos direitos e garantias individuais.
O preâmbulo, garante à Constituição a legitimidade de sua origem e de seu conteúdo, além de afirmar o compromisso com os Direitos Fundamentais. Seguir os preceitos que estão contidos na Carta Magna é a esperança de que seu texto aplicado de forma eficaz amenizará as variadas formas de desigualdades que afligem os brasileiros. Então poderemos afirmar que a Constituição é a luz e não só “de lamparina”, na vida do povo brasileiro.





8. BIBLIOGRAFIA

BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. Belo Horizonte: Del Rey, 1993.
CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional – Teoria do Estado e da Constituição. 10ª Ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.
FILHO, Manoel Gonçalves Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 34ª Ed. Ver. E atual. – São Paulo: Ed. Saraiva, 2008.
MORAES. Alexandre de. Direito Constitucional. 19ª Ed. São Paulo: Editora Atlas, 2006.
SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 31ª Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2008.
TEMER, Michel. Elementos do Direito Constitucional. 20ª Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005.

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