Por Abimael Borges
O presente trabalho tem objetivo de examinar a não incidência
de IPVA sobre embarcações e aviões. Traçamos uma análise comparativa entre as
posições doutrinárias, jurisprudenciais e legislativas positivas dentro do
âmbito nacional e estadual, no caso, do estado da Bahia.
O Imposto sobre Veículo Automotivo é amparado pela
Constituição Federal de 88 em seu artigo 155, inciso III, onde se lê
"Compete aos estados e Distrito Federal instituir impostos sobre: III.
propriedade de veículos automotores."
Como qualquer outra imposição governamental sobre os
cidadãos, sob o pretexto sempre aceitável de construção e manutenção de alguma
coisa, a usura implacável do Estado recaiu sobre o crescente grupo de felizes
(ou infelizes, por certo) proprietários de qualquer objeto automovente.
A mal intencionada TRU - Taxa Rodoviária Única, nasceu pelos
idos de 1985, com o objetivo de taxar a ascendente elite brasileira que aos
olhos do governo possuía capacidade contributiva elevada pelo fato de terem
adquirido um veículo. Ser proprietário de veículo automotor é sinônimo de poder
aquisitivo ou de posses econômicas e este foi sem dúvida o fato gerador de mais
uma taxa (entre tantas que já naqueles tempos os brasileiros amargavam).
A taxa nasceu para que o governo tivesse condição de abrir
estradas e conservá-las. Mas conforme as "auto-pistas",
como se chamava, foram ficando prontas, a TRU foi perdendo
o sentido de existir e os governos buscaram nova aplicação para não perderem a
"boquinha" que já se tornara expressiva para os cofres públicos.
Desta forma a famigerada TRU foi extinta e a EC 25/85 criou o IPVA que está
mantido no ordenamento jurídico positivo.
Uma das principais e convenientes mudanças foi transformar a
TRU em imposto sem qualquer vínculo que destine os recursos a execução de obras
determinadas. O IPVA é, portanto, um imposto que não se destina a construção e
manutenção das rodovias, não há um vínculo específico, mas está à disposição do
bel prazer dos governantes, devendo apenas sua aplicação ser lançada na
previsão orçamentária anual.
O IPVA é um imposto Estadual, entretanto a União poderia ter
criado Lei Complementar uniforme para todos os Estados-membros e o Distrito
Federal. Já que a União não editou Lei Complementar para disciplinar o IPVA, os
Estados exercem competência legislativa plena, nesse entendimento já se
posicionou o STF (RE 236.931-SP) Rel. Min. Ilmar Galvão. Na Bahia, por exemplo,
a Lei nº 6.348/91 regulamenta o IPVA. Apesar de ser um imposto Estadual, sob o
pretexto de que o Senado representa todos os Estados da União, o legislador
atribuiu ao Senado Federal a função de fixar uma alíquota mínima do IPVA (Art.
155, § 6 da CF), é o que o professor Sacha Calmon Navarro Coêlho [pág. 323;
item 9.10] chama de “demonstração de hipertrofia da União no corpo da
Federação”. Vale considerar que o Estado da Bahia, no art. 145 de sua
Constituição, abarca as disposições do Senado.
Convencionou-se que o fato gerador se renova a cada dia 1º de
Janeiro, uma só vez por ano, mas o Estado-membro pode criar outro marco
temporal através de lei. Isso não quer dizer que a cobrança do imposto se fará
ou vencerá nessa data: não devemos confundir o momento em que ocorre o fato
gerador com o momento em que se deve efetuar o pagamento.
Nos polos ativo e passivo figuram respectivamente, os Estados-membro
e o Distrito Federal, competente para a institucionalização do imposto, e o
proprietário de veículo automotor, isto é, o contribuinte é a pessoa que, no
dia 1º de janeiro possui em seu nome veículo. Quando alguém adquire o bem após
essa data, pagará proporcionalmente aos meses que restarem até o fim do
exercício.
Por se tratar de um imposto da esfera de competência dos
Estados-membros e do Distrito Federal, deve-se atentar para o aspecto espacial
do mesmo, isto quer dizer que o contribuinte de um Estado onde o veículo está licenciado
não pagará em outro Estado e a receita será distribuída em 50% para o município
e os outros 50% para o Estado (art. 158, III da CF/88, e Art. 153, I, da
Constituição da Bahia).
Outro aspecto interessante do IPVA é que sua alíquota está
vinculada ao valor venal, ou seja, como preceitua o texto legal (Art. 155, §6,
II), o IPVA “poderá ter alíquotas diferenciadas em função do tipo e utilização.”
A CF não deixa claro a abrangência dessa diferenciação de alíquota quanto ao
“tipo e utilização”. No dizer do professor Yoshiaki Ichihara deve-se levar em
conta “modelo, ano, potência do motor, combustível utilizado, se o veículo é
nacional ou importado” [pág. 276]. Entretanto, não é isso que ocorre, pois a
maioria dos Estados considera apenas o ano de fabricação, não atentando para o
estado de conservação do veículo.
Já foi dito que o IPVA incide sobre os veículos automotores,
para este conceito, tomamos por base o que dizem as leis específicas.
Segundo o Anexo I, do Código de Trânsito Brasileiro (Lei no
9.503/97):
"Veículo Automotor - todo veículo a motor
de propulsão que circule por seus próprios meios, e que serve normalmente para
o transporte viário de pessoas e coisas, ou para a tração viária de veículos
utilizados para o transporte de pessoas e coisas. O termo compreende os
veículos conectados a uma linha elétrica e que não circulam sobre trilhos
(ônibus elétrico)".
Com relação às aeronaves, tomamos
por base o que define o Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei nº 7.565/86) em
seu art. 106, onde lemos:
"Considera-se aeronave todo aparelho
manobrável em vôo, que possa sustentar-se e circular no espaço aéreo, mediante
reações aerodinâmicas, apto a transportar pessoas ou coisas".
No que diz respeito às embarcações, o conceito vem do art.
11, P. Único e alíneas, do Tribunal Marítimo (Lei no 2.180/54), leia-se:
"Considera-se embarcação
mercante toda construção utilizada como meio de transporte por água, e
destinada à indústria da navegação, quaisquer que sejam as suas características
e lugar de tráfego.
Parágrafo único. Ficam-lhe equiparados:
a) os artefatos flutuantes de
habitual locomoção em seu emprego;
b) as embarcações utilizadas na
praticagem, no transporte não remunerado e nas atividades religiosas,
cientificas, beneficentes, recreativas e desportivas;
c) as empregadas no serviço público,
exceto as da Marinha de Guerra;
d) as da Marinha de Guerra, quando
utilizadas total ou parcialmente no transporte remunerado de passageiros ou
cargas;
e) as aeronaves durante a flutuação
ou em vôo, desde que colidam ou atentem de qualquer maneira contra embarcações
mercantes."
O que há em comum entre veículo
automotor, avião e embarcação é o fato de poderem ter propulsão própria por
motor, todos eles também contam com modelos que dispensam a uso do motor, como
é o caso de uma carroça, um barco a vela, um parapente. O que os difere é a
superfície que necessitam para cumprir seu papel: terra, ar e água.
Há, entretanto, o caso dos anfíbios, que são veículos
automotores e embarcação e também o caso das aeronaves, equiparadas a
embarcação ou o hidroavião.
Como vimos, não há
grande divergência entre os conceitos dos diferentes tipos de transporte,
entretanto a legislação não é clara para determinar o tipo de transporte alvo da
incidência do IPVA.
A dificuldade reside na indistinção
que o artigo faz no texto “veículo automotor”, pois que embarcações e aviões
são automotores assim como os automóveis, já que sua propulsão depende de seus
motores e ainda, dizer que deve servir ao transporte de “pessoas ou coisas”.
Assim concorda o professor Bastos ao conceituar "todo veículo com
propulsão por meio de motor, com fabricação e circulação autorizadas e
destinadas ao transporte de mercadorias, pessoas ou bens" BASTOS (1990,
pág 357).
Parte da doutrina entende que apenas
o motor deveria ser suficiente para definir o que é o veículo e, nesse caso, a
propriedade de aviões e embarcações gerariam obrigação tributária do IPVA. Neste
sentido Gladston Mamede defende que a riqueza de detalhes não precisa estar
presente na definição da estrutura legal, bastando que a propulsão seja a motor
(MAMEDE, 2002, p.58).
O
Supremo Tribunal Federal foi convocado a se decidir sobre esse assunto, já que
estava havendo uma guerra fiscal a respeito. A decisão que pós fim a polêmica
veio no sentido de que veículos automotores náuticos, aéreos ou anfíbios não
fossem tributado pelo IPVA. O STF buscou uma interpretação histórica para o
caso, segundo o qual, o IPVA surgiu da necessidade de construir e manter estradas.
Diversos
julgados vieram acompanhando a decisão do STF:
Apelação Cível. Execução Fiscal. Auto de Infração e
Imposição de Multa referente à IPVA incidente sobre aeronave e não pago.
Exceção de Pré-executividade. Insurgência contra a cobrança do Imposto de
Propriedade de Veículos Automotores, sob alegação de que não deve incidir sobre
aeronaves. Campo de incidência do IPVA que não inclui embarcações e aeronaves,
conforme pacificado pelo STF. Cabimento da condenação do exequente em honorários
de advogado. Precedentes do STJ. Honorários de advogado arbitrados na sentença
que se adequados e nos termos da lei. Sentença mantida. Recurso não provido. Apelação
Cível n.°: 0267371-85.2009.8.26.0000 Barueri. APELANTE: FAZENDA PÚBLICA DO
ESTADO DE SÃO PAULO. APELADA: ENGEPAV CONSTRUÇÕES E COMÉRCIO LTDA.
Curioso notar que ao dizer que
barcos e aviões não serão tributados pelo IPVA, ocorre clara desconsideração da
capacidade contributiva dos proprietários de tais transportes já que são muito
mais caros que a maioria dos veículos terrestres.
Pensar que a TRU é parente do IPVA
parece também equivocado, já que o primeiro é uma taxa vinculada e o segundo é
um imposto. Assim a análise histórica adotada pelo STF nos parece pouco
razoável. Dá até pra questionar sobre que influência teve os mega empresários
donos de grandes frotas de navios e aviões nessa decisão?
Outro ponto intrigante é o fato de
que a frota de veículos automotores tem praticamente dobrado em todas as
grandes cidades do país, no entanto nenhum esforço é visto no sentido de
reduzir as alíquotas ou a base de cálculo do IPVA, e pior, pouco ou nada se vê
em investimentos para melhorar a situação dos proprietários de veículos no
tráfego, ao contrário disso, ainda se paga o DPVAT e o licenciamento, sem
contar com todas as taxas pelos serviços prestados pelos órgãos de trânsito e
todos os encargos sobre combustíveis, óleo, peças de reposição.
Cabe ainda muito refletir sobre a
real finalidade dos impostos. Resta a sensação de que o IPVA é um meio exploratório
do povo brasileiro assim como tantas outras formas de impostos, já que só serve
para manter a máquina governamental que pouco dá em retorno para a sociedade.
Urge, portanto, uma enorme necessidade de uma reforma tributária nesse país.
BILIOGRAFIA E CITAÇÕES
COÊLHO,
Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito
Tributário Brasileiro – Rio de Janeiro: Forense, 2010.
ICHIHARA,
Yoshiaki. Direito Tributário. – São
Paulo: Atlas, 2011.
RESENDE,
Janaina da Silva Resende. Incidência do IPVA sobre embarcações e aeronaves.
Disponível em http://www.lfg.com.br. 09 de outubro de 2008.
SITES
PESQUISADOS EM 03/12/12
http://jus.com.br/revista/texto/17344/da-incidencia-de-ipva-sobre-embarcacoes-e-aeronaves-a-luz-da-jurisprudencia-do-supremo-tribunal-federal
http://www.tvexamedeordem.com.br/provas/369.pdf
http://mbusca.sefaz.ba.gov.br/DITRI/leis/leis_estaduais/legest_1991_6348_lei_ipva.pdf
http://mbusca.sefaz.ba.gov.br/DITRI/normas_complementares/decretos/decreto_1991_902_ipva_regulamento.pdf
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